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A MINHA EXPERIÊNCIA: COMO FOI E COMO É VIVER COM UMA PERTURBAÇÃO MENTAL


A minha experiência com a perturbação mental começa com um sonho de adolescente e, hoje este sonho é uma realidade, por um caminho que a vida fez. Viver com uma perturbação mental é um desafio para se ter esperança e superar grandes obstáculos que a vida cotidiana coloca, principalmente nas relações com as outras pessoas. É desta estrada pautada pela esperança que hoje escrevo para vocês.

 
Quando muito jovem me encantei com o pensamento racional ao aprender gramática, depois fiz um curso técnico de quatro anos de eletricidade e este encantamento levou-me a sonhar um dia ser um cientista. Depois de dois anos tentando sem sucesso entrar na universidade, entrei em um período de desencanto coma vida. Este processo desembocou em um primeiro surto de esquizofrenia, que teve como resultado uma tentativa de suicídio, que levou a minha perna direita.

 
No ano seguinte, já com uma perna mecânica entrei na universidade, no curso de Física. Fiz uma grande rede de amigos, aprendi ciência, aprendi a namorar lidando com o fato de não ter uma parte do meu corpo. Entretanto, dois anos depois tive o segundo surto de esquizofrenia. Quando saí de uma internação de um mês, descobri que aquela grande rede de amigos se reduziu a cinco pessoas que realmente ficaram do meu lado. Este foi um duro aprendizado com o estigma. Esta experiência me tirou a capacidade de sorrir sem sombreados.

 
Trabalhei dez anos, como técnico em eletricidade, abri mão do meu sonho de ser cientista. Os desencantos destes anos levaram-me ao alcoolismo e uma vida que perdeu aquele colorido dos sonhos da adolescência. O resultado foi o terceiro surto de esquizofrenia, que levou a uma internação de um mês. Ao sair descobri que não conseguia ter a mesma agilidade de raciocínio, passava os dias no quarto olhando para teto, com um medo sem explicação, um medo no fundo da minha alma. Neste período, só com o apoio de uma única amiga, sem conseguir ver sentido em nada do que já tinha vivido, contei sempre com a compreensão e acolhimento da minha família.

 
Também neste período, dentre os tratamentos que fiz, encontrei alguém que realmente se importava, uma Terapeuta Ocupacional, Alessandra Marques. Ao longo de um ano de tratamento esta relação me permitiu sonhar novamente. (Usei e continuo usando medicamentos para a esquizofrenia). A diferença é que ela realmente se importava comigo: o afeto, o acolhimento e a sinceridade, estes foram remédios para a minha alma, que estava doente e machucada. Um dos resultados do tratamento foi eu entrar no curso de Filosofia. Somos amigos até hoje.

 
A Alessandra, em 2001, me apresentou para um projeto de combate ao estigma da esquizofrenia, chamado S.O.eSq. Lá eu conheci uma pessoa que mudou o rumo da minha história, a Cecília Villares, que chamamos carinhosamente de Ciça. Ao longo destes anos, através de incontáveis coisas feitas juntos, sempre com um diálogo franco e sincero, aprendi com ela a dar outro significado para o que é viver com uma perturbação mental. Em 2004 conheci um psiquiatra e cientista que virou um grande amigo, o Rodrigo Bressan, ele sempre me desafia a ir além. Ao longo destes anos sei que posso contar sempre com a sua sinceridade e companheirismo, mesmo que às vezes seja difícil para eu ouvir o que ele diz, mas isto é o melhor da nossa amizade.

 
Hoje vivo com a perturbação mental com a consciência que ela precisa de cuidado, todos os meses passo em consulta com o psiquiatra, tomo os medicamentos e faço tratamento psicológico. Entretanto, hoje tenho muitos amigos, muitos com perturbações mentais e muitos sem elas. Aprendi que o que leva a nos importarmos com o Outro é o amor, amor no sentido que Cristo ensinou. Este amor não pode ficar no campo das idéias, precisa virar coisas práticas, divididas com as pessoas, em relações face a face.

 
Encontrei muitas pessoas nestes anos que me aceitam como sou, com perturbação mental, mas também com as minhas qualidades e defeitos. Isto é, me aceitam como pessoa. Estes relacionamentos são protetores, no sentido de que as trocas afetivas permitem que minha vida possa ser compartilhada e, que o estigma e incompreensão de muitos não me levem a me sentir menor ou ser um sofredor pelo fato de ter uma perturbação mental.

 
Hoje trabalho e faço pesquisa com perturbações mentais, aquele sonho da adolescência se concretizou. Em 2009 a Associação ENCONTRAR+SE convidou a Ciça e eu para visitar Portugal, fiquei encantado com o vosso país e com o vosso povo. Ao visitar o Mosteiro dos Jerônimos tive uma experiência religiosa muito marcante: a percepção profunda de que a felicidade é possível e só é possível se for compartilhada. Assim, combater o estigma em relação às perturbações mentais é muito mais de que mudar comportamentos de discriminação. Entendo que é lembrar as pessoas sobre a sua humanidade e a importância de colaborar para um mundo melhor para aqueles que vivem as dificuldades colocadas pelas perturbações mentais.

 

 

Jorge Cândido Assis


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