UPA Informa

 
UPA Faz a diferença
Encontrar+se
upa informa
Homepage / A ACESSIBILIDADE ÀS ESTRUTURAS DE REABILITAÇÃO EM PORTUGAL: SITUAÇÃO ACTUAL, DIFICULDADES E NECESSIDADES.
O que é a Esquizofrenia
O que é a Doença Bipolar

Saúde Mental Em Agenda

Fale Connosco

deixe a sua opinião
Eufami
WFMH
Outras Vozes
MGMH
Sugestão do mes
 

A ACESSIBILIDADE ÀS ESTRUTURAS DE REABILITAÇÃO EM PORTUGAL: SITUAÇÃO ACTUAL, DIFICULDADES E NECESSIDADES.


A definição de perturbação mental abarca um conjunto de alterações significativas ao nível do pensamento, emoção e/ou comportamento, associadas a sofrimento pessoal e/ou a compromisso da capacidade adaptativa do indivíduo para lidar com as exigências do seu ambiente físico e relacional (consigo mesmo e com os outros).

Esta definição delimita um número muito abrangente e diversificado de problemas de saúde, que se diferenciam num contínuo de diversas dimensões, entre elas: tipo e intensidade dos sintomas, cronicidade, sofrimento, e incapacidade resultante. Neste sentido, encontramos entre as perturbações mentais tanto problemas que, com os cuidados clínicos devidos e atempados, são totalmente ultrapassados, como quadros crónicos e mais incapacitantes que necessitam de um conjunto abrangente e contínuo de cuidados (clínicos, reabilitativos e sociais) ao longo do ciclo de vida.

Este texto aborda os quadros mais graves deste espectro que requerem a articulação de um conjunto de cuidados, tutelados por diferentes Ministérios e entidades, que actuam em diferentes dimensões da experiência da doença mental. Deste modo, enquanto a intervenção clínica procura desenvolver as capacidades de regulação emocional, cognitiva e comportamental, os programas de reabilitação trabalham a capacidade de levar a cabo actividades ou papéis sociais (ex: estudante, trabalhador, mulher/marido, pai/mãe), de acordo com as expectativas culturais, e as respostas sociais destinam-se a reduzir a desvantagem face à participação social, disponibilizando os apoios necessários. Nenhuma das dimensões desta rede de cuidados é suficiente ou dispensável se desejarmos uma atenção abrangente e de qualidade dirigida à pessoa com perturbação mental.

 
Frequentemente, as pessoas a quem foi diagnosticada uma perturbação mental relatam terem interrompido o curso natural das suas vidas e perdido papéis sociais valorizados. Para algumas, as dificuldades vividas levou-as a abandonar a escola ou o emprego, para outras significou o isolamento e a perda das suas relações de amizade, outras ainda, foram perdendo o contacto com os seus interesses e com o que lhes dava prazer e conferia significado à vida. Os programas de Reabilitação Psicossocial procuram ajudar a pessoa a reflectir sobre o que é importante para si (ex: estudar, namorar, ter um emprego, etc.), identificar o que necessita para alcançar o seu objectivo e a desenvolver as competências em falta bem como os apoios necessários.

Estes programas são desenvolvidos por uma rede de estruturas que, em Portugal, estão organizadas em torno de três áreas de vida centrais: profissional, residencial e social. Efectivamente, a comparticipação estatal dos programas de reabilitação psicossocial verificou-se, em primeiro lugar, na vertente de formação profissional através dos Programas de Reabilitação Profissional financiados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Posteriormente, a Portaria n.º 348-A/98, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade veio regulamentar as empresas de inserção e o Despacho Conjunto dos Ministros da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade n.º 407/98, a criação das respostas residenciais e ocupacionais. Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º8/2010, de 28 de Janeiro, alargou o âmbito das respostas criadas pela legislação anterior, incluindo na tipologia de estruturas destinadas à prestação de cuidados continuados integrados em saúde mental as equipas de apoio domiciliário e as residências de treino de autonomia, que se encontram em fase de experiência piloto.

Na análise da acessibilidade às estruturas de reabilitação psicossocial importa considerar as seguintes dimensões:

1. Implantação nacional. Reportando a dados de 2010 relativos à distribuição de respostas previstas pelo despacho conjunto 407/98, é notória a baixa cobertura nacional e a sua assimetria regional.



Se atendermos à estimativa de necessidade de respostas na comunidade de Madrid (Plan de Atención Social a Personas con Enfermedad Mental Grave y Crónica 2003 – 2007), basta-nos um cálculo simples para chegar à conclusão que estamos muito aquém do desejável. Se utilizássemos o mesmo referencial, seria necessário um mínimo de 67 vagas em respostas ocupacionais e residenciais por 100.000 habitantes, o que num universo de 2 244 799 habitantes do Distrito de Lisboa (Instituto Nacional de Estatística, 2009) perfaria um mínimo de 1 474 vagas só neste distrito. O que dizer, então, do resto do país?

2. Abrangência de respostas. Relativamente à cobertura de necessidades, é de salientar a importância da implantação rápida e efectiva das equipas de apoio domiciliário, que se encontram em fase embrionária. Estas poderiam suprir necessidades básicas de apoio quer à pessoa com problemas de saúde mental quer à sua família, reduzindo significativamente a necessidade de recurso a urgências/internamentos hospitalares bem como de respostas residenciais. Além disso, poderiam constituir-se como respostas vitais para pessoas com baixa adesão aos serviços de saúde mental e/ou de reabilitação, quer devido a níveis elevados de incapacidade quer ao estigma associado. Complementarmente, as medidas inscritas no Programa de Emprego e Apoio à Qualificação das Pessoas com Deficiências e Incapacidades (DL n.º 290/2009, de 12 de Outubro) contemplam critérios muito restritivos de acesso, deixando de fora uma parte substantiva da população em desvantagem face ao mercado de trabalho.

3. Modelo de comparticipação. A ausência de regulamentação específica para estas estruturas leva a que sejam aplicadas normas relativas à comparticipação de despesas em creches e lares, conduzindo a valores de comparticipação que claramente constituem um obstáculo no acesso às mesmas e que contribuem para o processo de pobreza, exclusão e isolamento a que uma parte significativa desta população já se encontra votada.

4. Qualificação dos serviços. A este nível muito está por fazer, nomeadamente o delineamento de uma filosofia de intervenção, de um caderno de serviços que deverão ser prestados no âmbito destas estruturas com a respectiva dotação orçamental necessária, avaliação da qualidade com critérios consensuados e com o envolvimento dos seus beneficiários (utentes e famílias), bem como uma aposta séria na formação dos profissionais e no reconhecimento do elevado nível de especialização que este trabalho comporta.

Na sequência do exposto, resta concluir que, embora nas duas últimas décadas se tenham dado passos importantes na criação de uma rede de respostas de reabilitação psicossocial, esta está longe de cobrir eficazmente as necessidades de um colectivo que se encontra em clara desvantagem e que necessita de um conjunto de suportes no seu processo de recuperação e reintegração. Para a situação actual contribui necessariamente a pouca capacidade reivindicativa dos seus beneficiários e a ausência de associativismo por parte dos próprios e das suas famílias. No entanto, seria desonesto atribuir a responsabilidade integral aos elementos mais frágeis do sistema, sendo que neste existem frequentemente mecanismos que os excluem da participação. Por contraposição, seria fácil apontar o dedo acusador às entidades que tutelam as áreas de saúde, sociais e de emprego (e certamente estas não estão isentas de responsabilidade), mas aqui a culpa também não morre solteira. Neste sistema participam, ainda, as Instituições Particulares de Solidariedade Social e os seus profissionais, que devem aprender a importância do trabalho concertado entre as diferentes instituições, a avaliação do impacto dos seus programas e a identificação de indicadores de cariz económico, como factores fundamentais na defesa do direito a um sistema de saúde mental de qualidade. Feliz ou infelizmente, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, o sistema somos todos nós.

 

Inês Simões


Publicações anteriores:
- A MINHA EXPERIÊNCIA: COMO FOI E COMO É VIVER COM UMA PERTURBAÇÃO MENTAL de Jorge Cândido de Assis

- O PLANO NACIONAL DE SAÚDE MENTAL E AS PERSPECTIVAS PARA O SEU CUMPRIMENTO de Álvaro de Carvalho

Esta notícia não tem comentários.    
Facebook
|
|
|
Encontrar+se
Visualmágico graycell WebDesign & Development: Graycell